quarta-feira, agosto 06, 2008

Não partas...

"Este foi o nosso último abraço. E quando,
daqui a nada, deixares o chão desta casa
encostarei amorosamente os lábios ao teu copo
para sentir o sabor desse beijo que hoje não
daremos. E então, sim, poderei também eu
partir, sabendo que, afinal, o que tive da vida
foi mais, muito mais, do que mereci."

Maria do Rosário Pedreira

segunda-feira, outubro 29, 2007

O meu amor não cabe num poema


"O meu amor não cabe num poema ― há coisas assim,

que não se rendem à geometria deste mundo;

são como corpos desencontrados da sua arquitectura

os quartos que os gestos não preenchem.
O meu amor é maior que as palavras;

e daí inútil a agitação dos dedos na intimidade do texto ―a página não ilustra o zelo do farol que agasalha as baías

nem a candura a mão que protege a chama que estremece.
O meu amor não se deixa dizer ― é um formigueiro

que acode aos lábios com a urgência de um beijo

ou a matéria efervescente os segredos;

a combustão laboriosa que evoca, à flor da pele, vestígios

de uma explosão exemplar: a cratera que um corpo,ao levantar-se, deixa para sempre na vizinhança de outro corpo.
O meu amor anda por dentro do silêncio a formular loucuras

com a nudez do teu nome ― é um fantasma que estrebucha

no dédalo das veias e sangra quando o encerram em metáforas.Um verso que o vestisse definharia sob a roupa

como o esqueleto de uma palavra morta. nenhum poema

podia ser o chão a sua casa."


Maria do Rosário Pedreira

deve chamar-se tristeza....


Deve chamar-se tristeza
Isto que não sei que seja
Que me inquieta sem surpresa
Saudade que não deseja.
Sim, tristeza - mas aquela
Que nasce de conhecer
Que ao longe está uma estrela
E ao perto está não a Ter.
Seja o que for, é o que tenho.
Tudo mais é tudo só.
E eu deixo ir o pó que apanho
De entre as mãos ricas de pó.
Fernando Pessoa

"Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida tão concreta e definida como outra coisa qualquer, como esta pedra cinzenta em que me sento e descanso, como este ribeiro manso em serenos sobressaltos, como estes pinheiros altos que em verde e oiro se agitam, como estas aves que gritam em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho é vinho, é espuma, é fermento, bichinho álacre e sedento, de focinho pontiagudo, que fossa através de tudo num perpétuo movimento
Eles não sabem que o sonho é tela, é cor, é pincel. base, fuste, capitel, arco em ogiva, vitral, pináculo de catedral, contraponto, sinfonia, máscara grega, magia, que é retorta de alquimista, mapa do mundo distante, rosa-dos-ventos, Infante, caravela quinhentista, que é Cabo da Boa Esperança, ouro, canela, marfim, florete de espadachim, bastidor, passo de dança, Columbina e Arlequim, passarola voadora, pára-raios, locomotiva, barco de proa festiva, alto-forno, geradora, ultra-som, televisão, desembarque em foguetão na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham que o sonho comanda a vida. Que sempre que o homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mão de uma criança. "
António Gedeão

sábado, junho 16, 2007

O nome da paixão

"Gostaria de dizer o que foste, o que és, o que sempre serás para mim, Não tenho jeito. E nem sequer é preciso. Tu sabes. Sempre soubemos..."


O nome da paixão
“(Que nome te dar? Tu és única. Tu és todas. Ou talvez nenhuma. Eu sou tu. Tu és eu. A outra metade de mim. A parte de ti que de mim ficou. A parte de mim que foi contigo. Ninguém me foi tão próximo. Ninguém me escapou tanto. Como foi que constantemente nos encontrámos e nos perdemos? Esta é a história. Uma história sem história. Um história só isto.)”
Manuel Alegre in a Terceira Rosa.

sexta-feira, junho 15, 2007

"NÃO HÁ DESEJO PIOR QUE A VONTADE....." Pedro Abrunhosa

...

"A noite cai em meus braços,
teu nome ao longe no silêncio do espaço.
Olhar vazio, distante como
quem foge da sombra de
um regaço.
Porque em sonhos és para mim
um chão em pedaços.
A lua já vai alta e
as estrelas tocando
mil tragos nos lábios
de uma canção."
Vanutte

sábado, junho 09, 2007

Desejo...

"E o meu desejo de ti
São lágrimas por dentro,
Tão doídas e fundas
Que se não fosse:
o tempo de viver;
e a gente em social desencontrado;
e se tivesse a força;
e a janela ao meu lado
fosse alta e oportuna,
invadia de amor o teu reflexo
e em estilhaços de vidro
mergulhava em ti."
Ana Luísa Amaral

domingo, maio 20, 2007

ilumina-me...



"Gosto de ti como quem gosta do sábado,

Gosto de ti como quem abraça o fogo,

Gosto de ti como quem vence o espaço,

Como quem abre o regaço,

Como quem salta o vazio,

Um barco aporta no rio,

Um homem morre no esforço,

Sete colinas no dorso

E uma cidade p’ra mim.
Gosto de ti como quem mata o degredo,

Gosto de ti como quem finta o futuro,

Gosto de ti como quem diz não ter medo,

Como quem mente em segredo,

Como quem baila na estrada,

Vestido feito de nada,

As mãos fartas do corpo,

Um beijo louco no porto

E uma cidade p’ra ti.

Gosto de ti como uma estrela no dia,

Gosto de ti quando uma nuvem começa,

Gosto de ti quando o teu corpo pedia,

Quando nas mãos me ardia,

Como silêncio na guerra,

Beijos de luz e de terra,

E num passado imperfeito,

Um fogo farto no peito

E um mundo longe de nós."

P.A.

sexta-feira, março 30, 2007


"Vão vagos pela estrada,

Cantando sem razão

A última esp’rança dada

À última ilusão.

Não significam nada.

Mimos e bobos são.
Vão juntos e diversos

Sob um luar de ver,

Em que sonhos imersos

Nem saberão dizer,

E cantam aqueles versos

Que lembram sem querer.
Pajens de um morto mito,

Tão líricos! Tão sós!,

Não têm na voz um grito,

Mal têm a própria voz;

E ignora-os o infinito

Que nos ignora a nós."


@Fernando Pessoa